ESPIRITISMO E ARTE

“O Espiritismo irá depurar a arte que conhecemos e esta arte, depurada, será aquela inspirada nos ensinamentos da Doutrina Espírita”. (Espírito Rossini em Obras Póstumas)

10 – ARTE NO MUNDO ESPIRITUAL

 

NOSSO LAR

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

Capítulo 3

A Oração Coletiva

 

Mal não saíra da consoladora surpresa, divina melodia penetrou quarto adentro, parecendo suave colméia de sons a caminho das esferas superiores. Aquelas notas de maravilhosa harmonia atravessavam-me o coração. Ante meu olhar indagador, o enfermeiro, que permanecia ao lado, esclareceu, bondoso:

__ É chegado o crepúsculo em “Nosso Lar”. Em todos os núcleos desta colônia de trabalho, consagrada ao Cristo, há ligação direta com as preces da Governadoria.

E enquanto a música embalsamava o ambiente, despediu-se,  atencioso:

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         Aquela melodia renovava-me as energias profundas. Levantei-me vencendo dificuldades e agarrei-me ao braço fraternal que se me estendia. Seguindo vacilante, cheguei a enorme salão, onde  numerosa assembleia meditava em silêncio, profundamente recolhida. Da abóbada cheia de claridade brilhante, pendiam delicadas e flóreas guirlandas, que vinham do teto à base, formando radiosos símbolos de Espiritualidade Superior.

Ninguém parecia dar conta da minha presença, ao passo que mal dissimulava eu a surpresa inexcedível. Todos os circunstantes, atentos, pareciam aguardar alguma coisa. Contendo a custo numerosas indagações que me esfervilhavam na mente, notei que ao fundo, em tela gigantesca, desenhava-se prodigioso quadro de luz quase feérica.

Obedecendo a processos adiantados de televisão, surgiu o cenário de templo maravilhoso.

__ ‘ ‘ __

         Mal terminara a explicação, as setenta e duas figuras começaram a cantar harmonioso hino, repleto de indefinível beleza. A fisionomia de Clarêncio, no círculo dos veneráveis companheiros, figurou-se-me tocada de mais intensa luz. O cântico celeste constituía-se de notas angelicais, de sublimado reconhecimento. Pairavam no recinto misteriosas vibrações de paz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram delicioso staccato, desenhou-se ao longe, em plano elevado, um coração maravilhosamente azul com estrias douradas. Cariciosa música, em seguida, respondia aos louvores, procedente talvez de esferas distantes.

Foi aí que abundante chuva de flores azuis se derramou sobre nós; mas, se fixávamos os miosótis celestiais, não conseguíamos detê-los nas mãos. As corolas minúsculas desfaziam-se de leve, ao tocar-nos a fronte, experimentando eu, por minha vez, singular renovação de energias ao contacto das pétalas fluídicas que me balsamizavam o coração.

 __ ‘ ‘ __

         Terminada a sublime oração, regressei ao aposento de enfermo, amparado pelo amigo que me atendia de perto. Entretanto, não era mais o doente grave de horas antes. A primeira prece coletiva, em “Nosso Lar”, operara em mim completa transformação. Conforto inesperado envolvia-me a alma. Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, o pobre coração, (Imagem simbólica formada pelas vibrações mentais dos habitantes da colônia. – (Nota do Autor espiritual) saudoso e atormentado, à maneira de cálice muito tempo vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperança.

Capítulo 17

Em Casa de Lísias

         Ligado um grande aparelho, fez-se ouvir música suave. Era o louvor do momento crepuscular. Surgiu, ao fundo, o mesmo quadro prodigioso da Governadoria, que eu nunca me cansava de contemplar todas as tardes, no parque hospitalar. Naquele momento, porém, sentia-me dominado de   profunda e misteriosa alegria. E vendo o coração azul desenhado ao longe, senti que minh’alma se ajoelhava no templo interior, em sublimes transportes de júbilo e reconhecimento.

Capítulo 18

Amor, alimento das Almas

         Decorridos momentos, a senhora Laura falou sorridente:

– Todos vocês trabalharam muito hoje. Utilizaram o dia com proveito. Não estraguem o programa afetivo, por nossa causa. Não esqueçam a excursão ao Campo da Música. Notando a preocupação de Lísias, advertiu a alavra materna:

– Vai, meu filho. Não faças Lascínia esperar tanto. Nosso irmão ficará em minha companhia, até que te possa acompanhar nesses entretenimentos.

Capítulo 24

O Impressionante Apelo

         Ligado o receptor, suave melodia derramou-se no ambiente, embalando-nos em harmoniosa sonoridade, vendo-se no espelho da televisão a figura do locutor, no gabinete de trabalho. Daí a instantes, começou ele a falar:

– Emissora do Posto Dois, de “Moradia”. Continuamos a irradiar o apelo da colônia, em benefício da paz na Terra.

(…) Nesse ínterim, interrompia-se a música, voltando o locutor:

– Emissora do Posto Dois, de “Moradia”. Continuamos a irradiar o apelo da colônia em benefício da paz na Terra. Nevoeiros pesados amontoam-se ao longo dos céus  da  Europa.  Forças  tenebrosas  do Umbral penetram  em  todas  as  direções, respondendo ao apelo das tendências mesquinhas do homem.

Capítulo 32

Notícias de Veneranda

         (…) Surgiram deliciosos recantos em toda parte. Os mais interessantes, todavia, a meu ver, são os que se instituíram nas escolas. Variam nas formas  e  dimensões.  Nos  parques  de  educação  do  Esclarecimento,  instalou  a Ministra um verdadeiro castelo de vegetação, em forma de estrela, dentro do qual se abrigam cinco numerosas classes de aprendizados e cinco instrutores diferentes. No centro,  funciona  enorme  aparelho  destinado  a  demonstrações  pela  imagem,  à maneira  do  cinematógrafo  terrestre,  com  o  qual  é  possível  levar  a  efeito  cinco projeções variadas, simultaneamente. Essa iniciativa melhorou consideravelmente a cidade, unindo no mesmo esforço o serviço proveitoso à utilidade prática e à beleza espiritual.

(…) Esse  salão  é  nota  de  júbilo  para  os  nossos Ministérios. Talvez já saiba que o Governador aqui vem, quase que semanalmente, aos  domingos.  Ali  permanece  longas  horas,  conferenciando  com  os  Ministros  da Regeneração,  conversando  com  os  trabalhadores,  oferecendo  sugestões  valiosas, examinando nossas vizinhanças com o Umbral, recebendo nossos  votos e  visitas, e confortando  enfermos  convalescentes.  À  noitinha,  quando  pode  demorar-se,  ouve música  e  assiste  a  números  de  arte,  executados  por  jovens  e  crianças  dos  nossos educandários. A maioria dos forasteiros, que se hospedam em “Nosso Lar”, costuma vir  até  aqui  só  no  propósito  de  conhecer  esse  “palácio  natural”,  que  acomoda confortavelmente mais de trinta mil pessoas.

Capítulo 42

A Palavra do Governador

         Tive a impressão de que toda a vida social do nosso Ministério convergiu para o grande salão natural, desde o raiar de domingo, quando verdadeiras caravanas de  todos  os  departamentos  regeneradores  chegavam  ao  local.  O  Grande  Coro  do Templo  da  Governadoria,  aliando­se  aos  meninos  cantores  das  escolas  do Esclarecimento,  iniciou  a  festividade  com  o  maravilhoso  hino  intitulado  “Sempre Contigo,  Senhor  Jesus”,  cantado  por  duas  mil  vozes  ao  mesmo  tempo.  Outras melodias  de  beleza  singular  encheram  a  amplidão.  O  murmúrio  doce  do  vento, canalizado em vagas de perfume, parecia responder às harmonias suaves.

Havia permissão geral de ingresso ao  enorme recinto verde, para todos os servidores  da  Regeneração,  porque,  conforme  o  programa  estabelecido,  o  culto evangélico era dedicado especialmente a eles, comparecendo os demais Ministérios, por numerosas delegações.

Pela  primeira  vez,  tive  à  frente  dos  olhos  alguns  cooperadores  dos Ministérios da Elevação  e  União Divina, que me pareceram vestidos em  brilhantes claridades.

A  festividade  excedia  a  tudo  que  eu  pudesse  sonhar  em  beleza  e deslumbramento. Instrumentos musicais de sublime poder vibratório embalavam de melodias a paisagem odorante.

Às dez horas, chegou o Governador acompanhado pelos doze Ministros da Regeneração.

Nunca esquecerei o vulto nobre e imponente daquele ancião de cabelos de neve, que parecia estampar na fisionomia, ao mesmo tempo, a sabedoria do velho e a energia do moço; a ternura do santo e a serenidade do administrador consciencioso e  justo.  Alto,  magro,  envergando  uma  túnica  muito  alva,  olhos  penetrantes  e maravilhosamente lúcidos, apoiava-se num bordão, embora caminhasse com aprumo juvenil.

Satisfazendo-me a curiosidade, Salústio informou:

–  O  Governador  sempre  estimou  as  atitudes  patriarcais,  considerando  que se deve administrar com amor paterno. Sentando-se  ele  na  tribuna  suprema,  levantaram-se  as  vozes  infantis, seguidas de harpas caridosas, entoando o hino “A Ti, Senhor, Nossas Vidas”.

O velhinho enérgico e amorável passeou o olhar pela assembleia compacta, constituída de  milhares  de  assistentes. Em  seguida, abriu  um  livro  luminoso  que  o companheiro me informou ser o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Folheou-o atento e, depois, leu em voz pausada:

–  “E  ouvíreis  falar  de  guerras  e  de  rumores  de  guerras;  olhai,  não  vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim.” – Palavras do Mestre em Mateus, capítulo 24, versículo 6.

Volume  de  voz  consideravelmente  aumentado  pelas  vibrações  elétricas,  o chefe  da  cidade  orou  comovidamente,  invocando  as  bênçãos  do  Cristo,  saudando, em seguida, os representantes da União Divina, da Elevação, do Esclarecimento, da Comunicação  e  do  Auxílio,  dirigindo-se,  com  especial  atenção,  a  todos  os colaboradores dos trabalhos de nosso Ministério.

__ ‘ ‘ __

         (…) Comovido e deslumbrado, ouvi as crianças entoarem o hino que a Ministra Veneranda  intitulara  “A  Grande  Jerusalém”.  O  Governador  desceu  da  tribuna  sob vibrações de imensa esperança e foi então que brisas cariciosas começaram a soprar sobre  as  árvores,  trazendo,  talvez  de  muito  longe,  pétalas  de  rosas  diferentes,  em maravilhoso azul, que se desfaziam, de leve, ao tocar nossas frontes, enchendo-nos o coração de intenso júbilo.

Capítulo 45

No Campo da Música

         À tardinha, Lísias convidou-me para acompanhá-lo ao Campo da Música.

– É preciso distrair-se um pouco, André! – disse ele, gentil.

Vendo-me relutante, acentuou:

– Falarei a Tobias. A própria Narcisa consagrou o dia de hoje ao descanso. Vamos!

(…) Despedindo-nos, a dona da casa me abraçou e falou, bem-humorada:

– Então, doravante, a cidade terá mais um frequentador para o Campo da Música! Tome cuidado com o coração!… Quanto a mim, ainda ficarei hoje em casa. Vingar-me-ei de vocês, porém, muito breve! Não me demorarei a buscar meu alimento na Terra!…

(…) Havíamos alcançado as cercanias do Campo da Música. Luzes de indescritível beleza banhavam extenso parque, onde se ostentavam encantamentos de verdadeiro conto de fadas. Fontes luminosas traçavam quadros surpreendentes: um espetáculo absolutamente novo para mim.

(…) Nesse momento, atingimos a faixa de entrada, onde Lísias pagou gentilmente o ingresso.

Notei, ali mesmo, grande grupo de passeantes, em torno de gracioso coreto, onde um corpo   orquestral de reduzidas figuras executava música ligeira. Caminhos marginados de flores desenhavam-se à nossa frente, dando acesso ao interior do parque, em várias direções. Observando minha admiração pelas canções que se ouviam, o companheiro explicou:

– Nas extremidades do Campo, temos certas manifestações que atendem ao gosto pessoal de cada grupo dos que ainda não podem entender a arte sublime; mas, no centro, temos a música universal e divina, a arte santificada, por excelência.

Com efeito, depois de atravessarmos alamedas risonhas, onde cada flor parecia possuir seu reinado particular, comecei a ouvir maravilhosa harmonia dominando o céu. Na Terra, há pequenos grupos para o culto da música fina e multidões para a música regional. Ali, contudo, verificava-se o contrário. O centro do campo estava repleto. Eu havia presenciado numerosas agregações de gente, na colônia, extasiara-me ante a reunião que o nosso Ministério consagrara ao Governador, mas o que via agora excedia a tudo que me deslumbrara até então.

(…) Não era luxo, nem excesso de qualquer natureza, o que proporcionava tanto brilho ao quadro maravilhoso. Era a expressão natural de tudo, a simplicidade confundida com a beleza, a arte pura e a vida sem artifícios. O elemento feminino aparecia na paisagem, revelando extremo apuro de gosto individual, sem desperdício de adornos e sem trair a simplicidade divina. Grandes árvores, diferentes das que se conhecem na Terra, guarnecem belos recintos, iluminados e acolhedores

Grandemente maravilhado com a música sublime, ouvi Lísias dizer:

– Nossos orientadores, em harmonia, absorvem raios de inspiração nos planos mais altos e os grandes compositores terrestres são, por vezes, trazidos às esferas como a nossa, onde recebem

algumas expressões melódicas, transmitindo-as, por sua vez, aos ouvidos humanos, adornando os temas recebidos com o gênio que possuem. O Universo, André, está cheio de beleza e sublimidade.

O facho resplendente e eterno da vida procede originariamente de Deus.

Capítulo 48

Culto Familiar

         Fez-se grande quietude e Clarêncio disse comovedora e singela prece. Em seguida, Lísias se fez ouvir na cítara harmoniosa, enchendo o ambiente de profundas vibrações de paz e encantamento. Logo após, Clarêncio tomou novamente a palavra:

(…) Observei, então, com surpresa, que as filhas e a neta da senhora Laura, acompanhadas de Lísias, abandonavam o estrado, tomando posição junto dos instrumentos musicais. Judite, Iolanda e Lísias se encarregaram, respectivamente, do piano, da harpa e da cítara, ao lado de Teresa e Eloísa, que integravam o gracioso coro familiar.

As cordas afinadas casaram os ecos de branda melodia e a música elevou-se, cariciosa e divina, semelhante a gorjeio celeste. Sentia-me arrebatado a esferas sublimes do pensamento, quando vozes argentinas embalaram o interior. Lísias e as irmãs cantavam maravilhosa canção, composta por eles mesmos.

(…) Às derradeiras notas da bela composição, notei que o globo se cobria, interiormente, de substância leitoso-acinzentada, apresentando, logo em seguida, a figura simpática de um homem na idade madura. Era Ricardo. Impossível descrever a sagrada emoção da família, dirigindo-lhe amorosas saudações.

O recém-chegado, após falar particularmente à companheira e aos filhos, fixou o olhar amigo em nós outros, pedindo fosse repetida a suave canção filial, que ouviu banhado em lágrimas. Quando se calaram as últimas notas, falou comovidamente:

– Oh! Meus filhos, como é grande a bondade de Jesus, que nos aureolou o culto  doméstico do  Evangelho com  as  supremas  alegrias  desta  noite!

OS MENSAGEIROS

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

 

Capítulo 16

No Posto de Socorro

 

De varanda extensa e nobre, onde as colunatas se enfeitavam de hera florida, muito diferente, porém, da que conhecemos na Terra, penetramos em vasto salão mobiliado ao gosto mais antigo.

Os móveis delicadamente esculturados formavam conjunto encantador. Admirado, fixei as paredes, de onde pendiam quadros maravilhosos. Um deles, contudo, impunha-me especial atenção.

Era uma tela enorme, representando o martírio de São Dinis, o Apóstolo das Gálias rudemente supliciado nos primeiros tempos do Cristianismo, segundo meus humildes conhecimentos de História. Intrigado, recordei que vira, na Terra, um quadro absolutamente igual àquele. Não se tratava de um famoso trabalho de Bonnat, célebre pintor francês dos últimos tempos? A cópia do Posto de Socorro, todavia, era muito mais bela. A lenda popular estava lindamente expressa nos mínimos detalhes. O glorioso Apóstolo, seminu, com a cabeça decepada, tronco aureolado de intensa luz, fazia um esforço supremo por levantar o próprio crânio que lhe rolara aos pés, enquanto os assassinos o contemplavam, tomados de intenso horror; do alto, via-se descer um emissário divino, trazendo ao Servo do Senhor a coroa e a palma da vitória. Havia, porém, naquela cópia, profunda luminosidade, como se cada pincelada contivesse movimento e vida.

Observando-me a admiração, Alfredo falou, sorrindo:

– Quantos nos visitam, pela primeira vez, estimam a contemplação desta cópia soberba.

– Ah! sim – retruquei –, o original, segundo estou informado, pode ser visto no Panteão de Paris.

– Engana-se – elucidou o meu gentil interlocutor –, nem todos os quadros, como nem todas as grandes composições artísticas, são originariamente da Terra. É certo que devemos muitas criações sublimes à cerebração humana; mas, neste caso, o assunto é mais transcendente. Temos aqui a história real dessa tela magnífica. Foi idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França. Em fins do século passado, embora estivesse retido no círculo carnal, o grande pintor de Bayonne visitou essa colônia em noite de excelsa inspiração, que ele, humanamente, poderia classificar de maravilhoso sonho. Desde o minuto em que viu a tela, Florentino Bonnat não descansou enquanto não a reproduziu, palidamente, em desenho que ficou célebre no mundo inteiro. As cópias terrestres, todavia, não têm essa pureza de linhas e luzes, e nem mesmo a reprodução sob nossos olhos tem a beleza imponente do original, que já tive a felicidade de contemplar de perto, quando organizávamos, aqui no Posto, homenagens singelas para a honrosa visita que nos fez o grande servo do Cristo. Para movimentar as providências necessárias, visitei pessoalmente a cidade espiritual a que me referi.

Grande espanto apossara-se-me do coração. Via, agora, explicada a tortura santa dos grandes artistas, divinamente inspirados na criação de obras imortais; agora, reconhecia que toda arte elevada é sublime na Terra, porque traduz visões gloriosas do homem na luz dos planos superiores.

Parecendo interessado em completar meus pensamentos, Alfredo considerou:

– O gênio construtivo expressa superioridade espiritual com livre trânsito entre as fontes sublimes da vida. Ninguém cria sem ver, ouvir ou sentir, e os artistas de superior mentalidade costumam ver, ouvir e sentir as realizações mais altas do caminho para Deus.

 

Capítulo 31

Cecília ao Órgão

         Conversávamos, animadamente, quando Alfredo nos convidou para o Salão de Música.

Houve geral contentamento. A senhora Bacelar, dando o braço à nobre Ismália, parecia encantada com a lembrança.

Dirigimo-nos para o grande recinto, prodigiosamente iluminado por luzes de um azul doce e brilhante. Deliciosa música embalava-nos a alma. Observei, então, que um coro de pequenos músicos executava harmoniosa peça, ladeando um grande órgão, algo diferente dos que conhecemos na Terra. Oitenta crianças, meninos e meninas, surgiam, ali, num quadro vivo, encantador.

Cinqüenta tangiam instrumentos de corda e trinta conservavam-se, graciosamente, em posição de canto.. Executavam, com maravilhosa perfeição, uma linda barcarola que eu nunca ouvira no mundo.

Comovidíssimo, ouvi o administrador explicar:

– As crianças do Posto são as nossas flores vivas. Dão-nos perfume, encantamento, alegria, suavizando-nos todos os trabalhos.

Abeiramo-nos do órgão, sentando-nos todos em confortáveis poltronas.

Quando as crianças terminaram, sob aplausos calorosos, Ismália pediu a Cecília executasse alguma coisa.

– Eu? – disse a jovem, corando – se a senhora vem das altas esferas, onde a harmonia é santificada e pura, como poderei executar para os seus ouvidos?

– Não diga isso, Cecília – tornou, sorridente, a generosa esposa do administrador –, a música elevada é sublime em toda parte. Vá, minha filha! lembre-me o lar terreno nos dias mais belos!…

E, antes que a jovem Bacelar perguntasse qual a peça preferida, Ismália continuou:

– Os serviços musicais do Posto levam-me a recordar a velha Fazenda, quando voltava do Internato… Meus pais estimavam as composições européias e, quase todas as noites, ensaiava ao piano…

E, fixando em Cecília os olhos úmidos e brilhantes, rematou:

– Sua mamãe deve lembrar comigo a música predileta de meu velho e carinhoso pai…

Notei que a senhora Bacelar disse alguma coisa à filha, em voz baixa, e vimos Cecília caminhar para o grande instrumento, sem hesitação. Com emoção indizível, ouvimo-la executar, magistralmente, a ‘Tocata e Fuga em Ré Menor”, de Bach, acompanhada pelas crianças exultantes.

Fixei o rosto de Ismália, notando, pela luz do seu olhar, que seus pensamentos vagueavam longe, talvez em torno do antigo ninho doméstico. Vi-a enxugar as lágrimas discretas e abraçar Cecília carinhosamente, ao findar a execução.

– Agora, Cecília, cante alguma canção da própria alma! – falou a nobre senhora com ternuras de mãe – mostre-nos seu coração…

Os senhores Bacelar estavam satisfeitos e emocionados. Lia se-lhes nos gestos o carinho com que acompanhavam os menores movimentos da filha.

A jovem sorriu, voltou ao teclado, mas permanecia, agora, fundamente transfigurada. Seu belo semblante parecia refletir alguma luz diferente, que vinha de mais alto. Começou a cantar, de maneira misteriosa e comovedora. A música parecia sair-lhe das profundezas do coração, mergulhando-nos em sublime emotividade. Procurei guardar as palavras da maravilhosa canção, mas seria impossível repeti-las integralmente, no círculo dos encarnados na Terra. A sombra da meia-noite não poderia traduzir o revérbero da aurora. Mas de algo me lembro, para registrar aqui, com a fidelidade de que é suscetível minha memória imperfeita.

Como se fora rodeada de claridades diversas daquela em que nos banhávamos, Cecília cantou com voz veludosa e cariciante:

“Guardei para os teus olhos
As estrelas brilhantes do céu calmo…
Guardei para tua alma
Todos os lírios puros dos caminhos!…
Amado meu, amado meu,
Como é longa a viagem entre escolhos
Neste oceano imenso da saudade,
Ao sublime luar da eternidade!…
Em vão, a fada Esperança
Acende a luz dentro de mim…
Porque te foste ao mundo, assim?
Volta, amado!
Ainda mesmo
Que as tuas mãos estejam frias
E que teus pés sangrem de dor.
Trago comigo o bálsamo, a ternura,
Volta a mim,
Vem respirar, de novo, no jardim
Da Imortal união!…
Curarei tuas chagas de amargura,
Dar-te-ei o roteiro para a estrada,
Amarei os que amas,
Para que me abençoes com o teu sorriso.
Volta, amado!
Esquece a dor e a sombra do passado,
Volta, de novo, ao nosso paraíso!…”

         Quando desferiu as últimas notas, vi-lhe o semblante lavado em lágrimas, como se fora banhado em pérolas de luz. Observei que a senhora Bacelar, muitíssimo comovida, tocou de leve a mão de Ismália, e falou:
– Cecília nunca o esquece.

A esposa do administrador, mostrando-se extremamente sensibilizada, indagou:

– Não têm vocês novas notícias de Hermínio?

– O pobrezinho tem vivido de queda em queda – esclareceu a nobre interlocutora – e Cecília sabe que não poderá contar com ele, por muito tempo ainda, guardando, por esse motivo, muita mágoa íntima. Entretanto, nossa filha não desanima e trabalha, incessantemente, cheia de esperança.

Nesse momento, porém, a jovem regressava ao círculo familiar, enxugando os olhos.

A esposa de Alfredo abraçou-a e falou:

– Minhas felicitações! não sabia que você progredira tanto na arte divina! E que bela canção!…

Cecília fez um gesto de timidez, beijou a mão da carinhosa amiga e retrucou:

– Perdoe-me, querida Ismália, meu coração permanece ainda muito ligado à Terra!…

Capítulo 32

Melodia Sublime

         Num gesto nobre, Aniceto pediu a Ismália que executasse algum motivo musical de sua elevada esfera.

A esposa de Alfredo não se fez rogada. Com extrema bondade, sentou-se ao órgão, falando, gentil:

– Ofereço a melodia ao nosso caro Aniceto.

E, ante nossa admiração comovida, começou a tocar maravilhosamente. Logo às primeiras notas, alguma coisa me arrebatava ao sublime. Estávamos extasiados, silenciosos. A melodia, tecida em misteriosa beleza, inundava-nos o espírito em torrentes de harmonia divina. Penetrava-me o coração um campo de vibrações suavíssimas, quando fui surpreendido por percepções absolutamente inesperadas. Com assombro indefinível, reparei que a esposa de Alfredo não cantava, mas no seio caricioso da música havia uma prece que atingia o sublime – oração que eu não escutava com os ouvidos mas recebia em cheio na alma, através de vibrações sutis, como se o melodioso som estivesse impregnado do verbo silencioso e criador. As notas de louvor alcançavam-me o âmago do espírito, arrancando-me lágrimas de intraduzível emotividade:

“O Senhor Supremo de Todos os Mundos
E de Todos os Seres,
Recebe, Senhor,
O nosso agradecimento
De filhos devedores do teu amor!
Dá-nos tua bênção.
Ampara-nos a esperança,
Ajuda-nos o ideal
Na estrada Imensa da vida…
Seja para o teu coração,
Cada dia,
Nosso primeiro pensamento de amor!
Seja para tua bondade
Nossa alegria de viver!…
Pai de amor infinito
Dá-nos tua mão generosa e santa.
Longo é o caminho.
Grande o nosso débito,
Mas inesgotável é a nossa esperança.
Pai Amado,
Somos as tuas criaturas,
Raios divinos
De tua Divina inteligência.
Ensina-nos a descobrir
Os tesouros imensos
Que guardaste
Nas profundezas de nossa vida,
Auxilia-nos a acender
A lâmpada sublime
Da Sublime Procura!
Senhor,
Caminhamos contigo
Na eternidade!…
Em Ti nos movemos para sempre.
Abençoa-nos a senda,
Indica-nos a Sagrada Realização.
E que a glória eterna
Seja em teu eterno trono!…
Resplandeça contigo a Infinita Luz,
Mane em teu coração misericordioso
A Soberana Fonte do Amor,
Cante em tua Criação Infinita
O sopro divino da eternidade.
Seja a tua bênção
Claridade aos nossos olhos,
Harmonia ao nosso ouvido,
Movimento às nossas mãos,
Impulso aos nossos pés.
No amor sublime da Terra e dos Céus!…
Na beleza de todas as vidas,
Na progressão de todas as coisas,
Na voz de todos os seres,
Glorificado sejas para sempre,
Senhor.”

         Que melodia era aquela que se ouvia através de sons inarticulados? Não pude conter as lágrimas abundantes. Cecília comovera-nos a sensibilidade. lembrando as harmonias terrenas e os afetos humanos. Ismália, no entanto, arrebatava-nos o Espírito, elevando-nos ao Supremo Pai.       Nunca ouvira oração de louvor como aquela! Além disso, a esposa de Alfredo glorificava o Senhor de maneira diferente, inexprimível na linguagem humana. A prece tocara-me as recônditas fibras do coração e reconhecia que nunca meditara na grandeza divina, como naquele instante em que uma alma santificada falava de Deus, com a maravilha de suas riquezas espirituais.

E não era só eu a chorar como criança. Aniceto enxugava os olhos, de maneira discreta, e algumas senhoras levavam o lenço ao rosto.

Compreendi que a oração terminara, porque a música mudou de expressão. O caráter heróico cedeu lugar a lirismo encantador.

Experimentando a profunda serenidade ambiente, vi que luzes prodigiosas jorravam do Alto sobre a fronte de Ismália, envolvendo-a num arco irisado de efeito magnético e, com admiração e enlevo, observei que belas flores azuis partiam do coração da musicista, espalhando-se sobre nós. Desfaziam-se como se feitas de caridosa bruma anilada, ao tocar-nos, de leve, enchendo-nos de profunda alegria. A maior parte caía sobre Aniceto, fazendo-nos recordar as palavras amigas da dedicatória. Impressionavam-me profundamente aquelas corolas fluídicas, de sublime azul-celeste, multiplicando-se, sem cessar, no ambiente, e penetrando-nos o coração como pétalas constituídas apenas de colorido perfume.

Sentia-me tão alegre, experimentava tamanho bom ânimo que não conseguiria traduzir as emoções do momento.

Mais alguns minutos e Ismália terminou a magistral melodia.

A esposa do administrador desceu até nós, coroada de intensa luz. Alfredo avançou, beijando-a no rosto, ao mesmo tempo que Aniceto lhe estendia a destra, agradecido.

– Há muito tempo não ouvia músicas tão sublimes como as desta noite – exclamou nosso orientador, sorrindo. Cecília falou-nos do sublime amor terrestre, Ismália arrebatou-nos ao divino amor celestial. Idéia feliz a de permanecermos no Posto! Fomos igualmente socorridos pela luz da amizade, que nos revigorou o bom ânimo!

MISSIONÁRIOS DA LUZ

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

 Capítulo 10

Materialização

Notando a perturbação vibratória do ambiente, em vista da atitude desaconselhável dos companheiros encarnados, disse Calimério ao controlador mediúnico:

– Alencar, é necessário extinguir o conflito de vibrações. Nossos amigos ignoram ainda como auxiliar-nos, harmonicamente, através das emissões mentais. É mais razoável se abstenham da concentração por agora.   Diga-lhes que cantem ou façam música de outra natureza. Procure distrair-lhes a atenção deseducada.

Alencar, porém, que se encontrava sob preocupações fortes, diante das múltiplas obrigações que deveria desempenhar no momento, pediu a colaboração de Alexandre, que se colocou à disposição dele, imediatamente:

– André – falou o meu orientador, em tom grave –, improvisemos a garganta ectoplásmica. Não podemos perder tempo.

E, identificando-me a inexperiência, acrescentou:

– Não precisa inquietar-se. Bastará ajudar-me na mentalização das minúcias anatômicas do aparelho vocal.

Estava aturdido, mas o instrutor considerou:

– A força nervosa do médium é matéria plástica e profundamente sensível às nossas criações mentais. Logo após. Alexandre tomou pequena quantidade daqueles eflúvios leitosos, que se exteriorizavam particularmente através da boca, narinas e ouvidos do aparelho mediúnico, e, como se guardasse nas mãos reduzida quantidade de gesso fluido, começou a manipulá-lo, dando-me a impressão de estar completamente alheio ao ambiente, pensando, com absoluto domínio de si mesmo, sobre a criação do momento.

Aos poucos, vi formar-se, sob meus olhos atônitos, um delicado aparelho de fonação. No íntimo do esqueleto cartilaginoso, esculturado com perfeição na matéria ectoplásmica, organizavam-se os fios tenuíssimos das cordas vocais, elásticas e completas na fenda glótica e, em seguida, Alexandre experimentava emitir alguns sons, movimentando as cartilagens aritenóides.

Formara-se, ao influxo mental e sob a ação técnica de meu orientador, uma garganta irrepreensível.

Com assombro, verifiquei que através do pequeno aparelho improvisado e com a cooperação dos sons de vozes humanas, guardados na sala, nossa voz era integralmente percebida por todos os encarnados presentes.

Parecendo-me satisfeito com o êxito de seu trabalho, Alexandre falou pela garganta artificial, como quem utilizava um instrumento vocal humano:

– Meus amigos, a paz de Jesus seja convosco! Ajudem-nos, cantando! Façam música e evitem a concentração!…

Fez-se música no ambiente e vi que o Irmão Alencar, depois de ligar-se profundamente à organização mediúnica, tomava forma, ali mesmo, ao lado da médium, sustentada por Calimério e assistida por numerosos trabalhadores.

Aos poucos, valendo-se da força nervosa exteriorizada e de vários materiais fluídicos, extraídos no interior da casa, aliados a recursos da Natureza, Alencar surgiu aos olhos dos encarnados, perfeitamente materializado.

OBREIROS DA VIDA ETERNA

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

Capítulo 1

Convite ao Bem

         Breves minutos decorreram e penetramos, por nossa vez, o recinto radioso.

Vagavam no ar suaves melodias, precedendo a palavra orientadora. Flores perfumosas, ornamentando o ambiente, embalsamavam a nave ampla.

Alguns instantes agradabilíssimos de espera e o emissário apareceu na tribuna simples, magnificamente iluminada. Era um ancião de porte respeitável, cujos cabelos lhe teciam uma coroa de neve luminosa. De seus olhos calmos, esplendidamente lúcidos, irradiavam-se forças simpáticas que de súbito nos dominaram os corações. Depois de estender sobre nós a mão amiga, num gesto de quem abençoa, ouviu-se o coro do templo entoando o hino “Glória aos Servos Fiéis”:

(…) Transcorridos alguns momentos de meditação, Metelo fez exibir num grande globo de substância leitosa, situado na parte central do templo, vários quadros vivos do seu campo de ação nas zonas inferiores. Tratava-se da fotografia animada, com apresentação de todos os sons e minúcias anatômicas inerentes às cenas observadas por ele, em seu ministério de bondade cristã.

Capítulo 10

Fogo Purificador

         Vasta dose de paciência era despendida por todos nós, para conter a multidão furiosa. Impressionavam-nos as formas monstruosas e miseráveis a se arrastarem vestidas de sombra, quando começaram a chegar entidades aureoladas de luz. Trajavam farrapos e traziam comovedores sinais de sofrimento. Dando a perceber que desejavam isolar a mente das centenas de revoltados que ali se congregavam em ativo movimento de insurreição, contemplavam o Alto e cantavam hinos de reverência ao Senhor, em regozijo da própria renovação, cânticos esses abafados pela algaravia dos rebeldes agitados.

Reparava, pela expressão de quantos luminados se aproximavam de nós, que se esforçavam por manter o pensamento alheio às objurgatórias dos maus, temendo talvez o interesse mental pelo que emitiam, circunstância criadora de novos laços magnéticos favoráveis à dominação dos verdugos. Intentavam, por isso, alimentar o máximo desprendimento dos apodos que lhes eram lançados pela turba malévola e impenitente.

Formavam agrupamentos de formosura singular. Sublimes quadros de paraíso, no inferno de atrozes padecimentos! Vinham, de mãos entrelaçadas, como a permutar energias, a fim de que se lhes aumentasse a força para a salvação, no minuto supremo da batalha que mantinham, talvez, desde muito antes. E esse processo de troca instintiva dos valores magnéticos infundia-lhes prodigiosa renovação de poder, porquanto levitavam, sobrepondo-se ao desvairado ajuntamento. Emolduravam-lhes a fronte belos círculos de luz, com brilho mais ou menos uniforme. Enquanto os tipos de semblante sinistro lhes dirigiam insultos, elas cantavam hosanas ao Cristo, entoando louvores, que, de certo, lembravam os júbilos dos primeiros cristãos, perseguidos e flagelados nos circos, quando se retiravam sob os apupos de espectadores perversos.

NO MUNDO MAIOR, ANDRÉ LUIZ POR FRANCISCO XAVIER

Capítulo 3

A casa Mental

Inquestionavelmente, vivíamos todos em intenso trabalho, com escassas horas reservadas a excursões de entretenimento; demais, fruíamos ambiente de felicidade e alegria a favorecer-nos a marcha evolutiva. Nossos templos constituíam, por si sós, abençoados núcleos de conforto e de revigoramento. Nas associações culturais e artísticas encontrávamos a continuidade da existência terrestre, enriquecida, porém, de múltiplos elementos educativos.

O campo social regurgitava de oportunidades maravilhosas para a aquisição de inestimáveis afeições. Os lares, em que situávamos o serviço diuturno, erguiam-se entre jardins encantadores, quais ninhos tépidos e venturosos em frondes perfumadas e tranquilas.

Capítulo 15

Apelo Cristão

Eusébio, ao terminar, estava aureolado de prodigiosas emissões de luz.

A assembléia prosternada mostrava semblantes lívidos de estupefação.

Enorme grupo de colaboradores de nosso plano elevou a voz em harmonias, entoando comovente cântico de glorificação ao Supremo Senhor.

As melodiosas notas do hino perdiam-se, ao longe, no arvoredo distante, nas asas de suave brisa…

Capítulo 20

No Lar de Cipriana

Cipriana, assumindo a direção da prece, fez-se acompanhar pelos colaboradores diretos que a seguiam no momento.

De alma genuflexa, vi-a de olhos erguidos para o alto, de onde jorrava intensa luz sobre a sua fronte… Do tórax, do cérebro e das mãos brotavam radiosas emissões de força divina, das quais ela se constituía visível intermediária para nós todos.

Alcançados pelos fulgurantes raios que fluíam de esfera superior através de sua personalidade sublime, sentíamo-nos embalados por indizível suavidade…

Harmonioso coro de uma centena de vozes bem afinadas cantou inolvidável hino de louvor ao Supremo Pai, arrancando-me copiosas lágrimas.

LIBERTAÇÃO

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

 Capítulo 3

Entendimento

A essa altura da instrutiva conversação, chegamos a gracioso templo.

Nesse doce recanto consagrado à materialização de entidades sublimes, a luz suave da noite calma como que se fazia mais bela.

As vibrações constantes das preces, aí emitidas por vários séculos, tinham criado em torno da edificação prodigioso clima de encantamento.

Melodia celeste derramava-se à surdina e as flores delicadas do átrio pareciam corresponder aos sons cristalinos, variando no brilho e na cor, quase que imperceptivelmente.

(…) Não houve tempo para conversações prévias.

Em seguida a saudações ligeiras e cordiais, foi composto o conjunto de oração.

Os doadores de energia radiante, médiuns de materialização em nosso plano, se alinhavam, não longe, em número de vinte.

Comovedora partitura soou, argentina e leve, em aposento próximo, predispondo-nos à meditação de ordem superior.

Capítulo 4

Numa Cidade Estranha

Música exótica fazia-se ouvir não distante e Gúbio rogou-nos prudência e humildade em favor do êxito no trabalho a desdobrar-se.

Reerguemo-nos e avançamos.

Fizera-se-nos tardio o passo e nossa movimentação difícil.

Capítulo 5

Operações Seletivas

Varando, agora, o recinto, os lictores passaram o instrumento simbólico às mãos e alinharam-se, corretos, perante a tribuna espaçosa, sobre a qual resplandecia alarmante facho de luz.

Os julgadores, por sua vez, desceram, pomposos, dos tronos içados e tomaram assento numa espécie de nicho a salientar-se de cima, inspirando silêncio e temor, porque a turba inconsciente, em redor, calou-se de súbito.

Tambores variados rufaram, como se estivéssemos numa parada militar em grande estilo, e uma composição musical semi-selvagem acompanhou-lhes o ritmo, torturando-nos a sensibilidade.

Terminado aquele ruído, um dos julgadores se levantou e dirigiu-se à massa, aproximadamente nestes termos:

– “Nem lágrimas, nem lamentos. (…)

Capítulo 17

Assistência Fraternal

         Fitei-o, vigilante, e notei-lhe o singular brilho dos olhos. Parecia alucinado, abatido. Com a expressão típica da loucura cronicificada, falou, aflito:

– Permite-me indagar?

– Perfeitamente – respondi surpreso.

– Que é o pensamento?

Não aguardava a pergunta que me era desfechada, mas, centralizando minha capacidade receptiva, no propósito de responder com acerto, elucidei como pude:

– O pensamento é, sem dúvida, força criadora de nossa própria alma e, por isto mesmo, é a continuação de nós mesmos. Através dele, atuamos no meio em que vivemos e agimos, estabelecendo o padrão de nossa influência, no bem ou no mal.

– Ah! – fez o estranho cavalheiro, um tanto atormentado – a explicação significa que as nossas idéias exteriorizadas criam imagens, tão vivas quanto desejamos?

– Indiscutivelmente.

– Que fazer, então, para destruir nossas próprias obras, quando interferimos, erroneamente, na vida mental dos outros?

– Auxilie-nos a apreciar seu caso, contando-nos alguma coisa de sua experiência – pedi com interesse fraternal.

O interlocutor, provavelmente tocado pelo tom de minha solicitação afetuosa, expôs a perturbação que lhe vagava no íntimo, com frases incisivas, quentes de sinceridade e dor:

– Fui homem de letras, mas nunca me interessei pelo lado sério da vida. Cultivava o chiste malicioso e com ele o gosto da volúpia, estendendo minhas criações à mocidade de meus dias.

Não consegui posição de evidência, nos galarins da fama; entretanto, mais que eu poderia imaginar, impressionei, destrutivamente, muitas mentalidades juvenis, arrastando-as a perigosos pensamentos. Depois do meu decesso, sou incessantemente procurado pelas vítimas de minhas insinuações sutis, que me não deixam em paz, e, enquanto isto ocorre, outras entidades me buscam, formulando ordens e propostas referentes a ações indignas que não posso aceitar.     Compreendi que me achava em ligação, desde a existência terrestre, com enorme quadrilha de Espíritos perversos e galhofeiros que me tomavam por aparelho invigilante de suas manifestações indesejáveis. No fundo, eu mantinha por mim mesmo, no próprio espírito, suficiente material de leviandade e malícia, que eles exploraram largamente, adicionando aos meus erros os erros maiores que intentariam debalde praticar, sem meu concurso ativo.

Acontece, porém, que abrindo meus olhos à verdade, na esfera em que hoje respiramos, em vão busco adaptar-me a processos mais nobres de vida. Quando não sou atribulado por mulheres e homens que se afirmam prejudicados pelas idéias que lhes infundi, na romagem carnal, certas formas estranhas me apoquentam o mundo interior, como se vivessem incrustadas à minha própria imaginação. Assemelham-se a personalidades autônomas, se bem que sejam visíveis tão somente aos meus olhos. Falam, gesticulam, acusam-me e riem-se de mim. Reconheço-as sem dificuldade.      São imagens vivas de tudo o que meu pensamento e minha mão de escritor criaram para anestesiar a dignidade de meus semelhantes. Investem contra mim, apupam-me e vergastam-me o brio, como se fossem filhos rebelados contra um pai criminoso. Tenho vivido ao léu, qual alienado mental que ninguém compreende! Como entender, porém, os pesadelos que me possuem? Somos o domicílio vivo dos pensamentos que geramos ou as nossas idéias são pontos de apoio e manifestação dos Espíritos bons ou maus que sintonizam conosco?

Havia nos ouvintes significativa expectação, não obstante a calma reinante.

O infeliz deixou de falar, titubeante. Demonstrava-se atormentado por energias estranhas ao próprio campo íntimo, apalermado e trêmulo à nossa vista. Fitou em mim os olhos esgazeados de esquisito terror e, correndo aos meus braços, bradou:

– Ei-lo! ei-lo que chega por dentro de mim… É uma das minhas personagens na literatura fescenina! Ai de mim! Acusa-me! Gargalha irônica e tem as mãos crispadas! Vai enforcar-me!…          Alçando a destra à garganta, denunciava, aflito:

– Serei assassinado! Socorro! socorro!…

Os demais companheiros perturbados e sofredores, ali presentes, alarmaram-se, desditosos.

Houve quem tentasse fugir, mas, com uma frase apenas, sustei o tumulto que se iniciava.

Capítulo 20

Reencontro

         Doce intervalo mostrou-nos o júbilo reinante.

Salutar otimismo transbordava de todos os rostos.

Saldanha, de olhos fitos em nosso dirigente, confundia-nos pelo pranto de contrição purificadora, a correr-lhe, abundante, dos olhos.

Antes que o nosso instrutor pudesse retomar o fio da palavra encorajadora e vigilante, algumas irmãs entoaram formoso hino de louvor à bondade do Cristo, com visível desassombro no olhar firme, dantes ansioso e dorido, enchendo-nos o coração de intraduzível bem-estar.

Raios de safirina luz derramaram-se profusamente sobre nós, enquanto as vozes harmoniosas e singelas se espalhavam, em derredor, tangendo-nos as fibras mais recônditas, nos recessos do ser.

Terminado o cântico melodioso e tocante que nos recordava os pensamentos sublimes de inolvidável Salmo de David 7, o instrutor retomou a palavra e informou que, não obstante as santificadas alegrias daquela hora, a batalha não estava finda.

Faltava-nos o epílogo, esclareceu com inflexão mais grave na voz.

 

ENTRE A TERRA E O CÉU

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

 

Capítulo 9

No Lar da Benção

 

Clarêncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.

Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltação do amor materno, vibrava no ar.

Aqui e ali, sob tufos de vegetação verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianças nos braços.

– É o Lar da Bênção – informou o instrutor, satisfeito. – Nesta hora, muitas irmãs da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados. Temos aqui importante colônia educativa, misto de escola de mães e domicílio dos pequeninos que regressam da esfera carnal.

O Ministro, porém, interrompeu-se, de improviso.

Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflição.

Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraídas por forças irresistíveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecida enlaçava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se em lágrimas, dona Antonina abraçou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:

– Marcos! Marcos!…

– Mãezinha! Mãezinha!… – respondeu a criança, colando-se-lhe ao peito.

 

AÇÃO E REAÇÃO

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

 Capítulo 10

Entendimento

         (…) registrávamos o império da música, em sua majestade soberana, arrebatando-nos às mais sublimes emoções. Aqueles minutos valiam para nós como abençoada oração. Os lances da magnífica sinfonia como que nos elevavam a círculos harmoniosos de ignota beleza e todos trazíamos lágrimas abundantes, de vez que os encantadores acordes em movimento possuíam a faculdade de lavar-nos, miraculosamente, os refolhos do ser.

Findas as notas derradeiras, despedimo-nos, maravilhados. Nossos pensamentos vibravam em sintonia mais pura, e os nossos corações pareciam mais fraternos.

Capítulo 20

Comovente Surpresa

         No largo estrado, em que se destacava a direção, Druso aparecia, ladeado pelo Instrutor Arando, a quem passaria o governo do estabelecimento, e pela esposa querida, aquela que lhe ofertara no mundo os sonhos doces do primeiro matrimônio, cujos olhos serenos exprimiam irradiante bondade.

Outros benfeitores, incluindo o nosso caro Silas, ali também se encontravam, atenciosos e emocionados.

Na multidão dos ouvintes, estávamos nós, renteando com os assessores e funcionários do grande hospital-escola, ao pé de mais de trezentos internados.

Todos os enfermos, abrigados e servidores vinham trazer a Druso preciosos testemunhos de reconhecimento.

As manifestações comovedoras multiplicavam-se, incessantes.

Enquanto música leve nascia de instrumentos ocultos, espalhando-se em surdina, todos os doentes, em fila movimentada, queriam dizer uma palavra ao abnegado Instrutor que os acolhera, generoso.

 

SEXO E DESTINO

Francisco C. Xavier e Waldo Vieira pelo espírito André Luiz

 Parte I

Capítulo 10

         De olhos parados, como se buscasse, além, no espaço infinito, o colo agasalhante que o tempo arrebatara, assumiu nova posição, colocando a cabeça da jovem no próprio regaço e, emocionando-se até às lágrimas, qual se tivesse nos lábios aqueles lábios de mãe, humilde e enferma, que jamais esqueceria, Aracélia, em pranto resignado, cantou suavemente diante de nós:

Lindo anjo de meus passos,
Descansa, meu doce bem;
Dorme, dorme nos meus braços,
Enquanto a noite não vem.
Dorme, filhinha querida;
Não chores, encanto meu;
Dorme, dorme, minha vida,
Tesouro que Deus me deu…

         Qual se fora repentinamente magnetizada, Marita caiu em pesado sono

E A VIDA CONTINUA

Francisco C. Xavier pelo espírito André Luiz

 Capítulo 7

Informações de Alzira

         – Não se aflijam. Vocês conhecerão tudo a seu tempo. A cidade é linda. Uma espécie de vale de edifícios, como que talhados em jade, cristal e lápis-lazúli. Arquitetura original, praças encantadoras recamadas de jardins. Creiam vocês que caminhei, fascinada, de rua em rua. O irmão Nicomedes, pois assim se chama o dono da casa, acolheu-nos com muita gentileza. Apresentou-me a filha Corina, uma bela jovem, com quem para logo simpatizei.

Íntima de uma das amigas que eu seguia e com a qual entraria em combinação sobre assuntos de serviço, salientou a alegria festiva do lar, falando-nos de esperados júbilos domésticos. Mostrou-nos os lustres novos, as telas e os vasos soberbos… Tudo seguia num crescendo de doces surpresas para mim, quando surgiu a bomba…

Achávamo-nos no terraço, admirando um canteiro de jasmins suspensos, quando ouvimos o “Sonho de Amor”, de Liszt, tocado ao piano. Corina informou-nos de que o pai dedilhava o instrumento com grande mestria. Enterneci-me de tal modo que manifestei o desejo de ouvi-lo, mais de perto. A nossa anfitriã conduziu-nos, de imediato, à sala de música. E foi um deslumbramento.

O irmão Nicomedes, absorto, revelava-se num mundo de alegrias profundas, que se lhe irradiavam da vida interior, em forma, de melodias, das notáveis melodias que se sucediam umas às outras.

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